Ações na Justiça por atendimento dos planos de saúde não param de crescer. Só em São Paulo, foram 117 julgamentos por dia útil no primeiro semestre.
Foram quase 30 anos de boletos mensais pagos em dia até que nos últimos meses a saúde da senhora Virginia Rebeis Farha, moradora de Bauru, interior de São Paulo, passou a exigir mais cuidados. Portadora de diabetes e insuficiência renal crônica, Virginia foi diagnosticada com um nódulo no rim, cuja retirada deveria ser feita, por recomendação médica, por crioblação. O procedimento foi negado pelo convênio e realizado somente após concessão de liminar. Durante a crioblação, Virginia teve uma insuficiência cardíaca decorrente de uma estenose valvular aórtica acentuada, que exigiu procedimentos de emergência e uma bioprótese. A intervenção também foi negada pelo convênio e feita depois de liminar.
Histórias como a de Virginia têm se tornado mais freqüentes nos últimos anos. Nos primeiros sete meses de 2017, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) julgou 17.114 ações contra planos de saúde, sendo 10.319 ações em primeira instância e 6.495 em segunda. Isso corresponde a 117,2 decisões por dia, considerando os 146 dias úteis no período.
“Em 2011, 4.819 ações chegaram à segunda instância da Justiça de São Paulo. Em 2016, foram 11.406”, alerta o advogado Rafael Robba, pesquisador do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar da Faculdade de Medicina da USP e sócio do escritório Vilhena Silva Advogados. Contra o Serviço Único de Saúde (SUS), as ações julgadas em segunda instância em São Paulo superaram a marca de 10 mil em 2016.
Números colhidos pelo advogado durante o mestrado na Faculdade de Medicina indicam que os idosos têm uma dificuldade especial com o sistema de saúde. Embora apareçam como 12,6% do total de usuários de planos de saúde, pessoas com idade igual ou superior a 60 anos representam um terço das ações contra as operadoras na Justiça de São Paulo.
Formam esse cenário leis diversas, como o artigo 196 da Constituição, que diz que é dever do Estado fornecer saúde para todos, a Lei Orgânica da Saúde (nº 8.080/90), a Lei nº 9.656/98 (dos Planos), o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, pilhas de regulamentações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e contratos de adesão. O problema acaba prejudicando clientes, operadoras, o sistema jurídico e o Estado.
“É um problema grave. Até agosto tínhamos em andamento 2.090 ações judiciais, para as quais provisionamos R$ 38 milhões”, diz o presidente da Seguros Unimed, Helton Freitas. Entretanto, segundo ele, o ingresso de novas ações neste ano caiu 21% em comparaação a 2016. “A tendência está relacionada a melhorias contínuas no atendimento e na informação dos beneficiários, além da forte atuação da Ouvidoria como canal eficaz de orientação e solução das demandas”.
Para Freitas, que conta com cerca de 500 mil segurados, há um excesso regulatório. “Juízes têm aplicado princípios constitucionais próprios do sistema público para o sistema suplementar. Mas isso torna impossível calcular nossos custos. Defendemos uma regulação que não interfira demasiadamente na relação contratual entre as partes”. Ele avalia que 10% do custo operacional de sua empresa está relacionado à judicialização. “Quem paga essa conta, em última análise, são os contratantes”.
Em São Paulo, em torno de 90% das sentenças têm sido favoráveis aos consumidores. Segundo Robba, em apenas 1% das ações julgadas as resoluções da ANS serviram como base para resolver a disputa. A maior parte das decisões judiciais utiliza o Código de Defesa do Consumidor, a Lei dos Planos, o Código Civil e o Estatuto do Idoso. E em seguida diversas súmulas do TJSP que tratam do tema. “Parece que o TJ utiliza muito pouco as normativas, ou porque são omissas, ou porque conflitam com uma dessas leis que são hierarquicamente superiores”.
Para o juiz Sylvio Ribeiro, do TJSP,o ganho maior pró-consumidor indica que a operadoras de planos de saúde deveriam fazer a lição de casa. “Creio que elas poderiam aprimorar os sistemas administrativos para ter um serviço melhor”.
Vivien Lys, do escritório Porto Ferreira & Fuso, diz que há excesso de regulamentação e normas que concorrem entre si. “Um problema é que várias regulamentações da ANS contradizem a lei federal. Outro é que o Código de Defesa do Consumidor não tem a especificidade que seria desejada para contratos de planos de saúde. E falta às operadoras e seguradoras mapear as causas-raiz da judicialização e atuar nelas”.
O fato é que a crescente judicialização preocupa todas as partes. “O conceito de direito universal à saúde é bonito, mas utópico. Existe uma contradição entre o direito individual e a capacidade financeira do estado”, diz o advogado Ricardo Motta. “Isso se vem agravando na crise econômica porque as pessoas perdem capacidade de compra e passam a recorrer ao SUS. O Estado recorre contra tudo para retardar os pagamentos, é uma tragédia para as contas públicas”.
Fonte: Valor Econômico | Revista Setorial Saúde
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