Foi no ano em que o Brasil se balançava ao ritmo de “abra suas asas, solte suas feras…”, música tema da novela Dancin’ Days, eternizada na voz de As Frenéticas, e o mundo se embalava com Chiquitita e I Have a Dream, do quarteto sueco Abba, que as duas Alices passaram a conviver diariamente: uma delas professora, que encontrou na outra, uma menina de 12 anos, a auxiliar para cuidar de sua bebezinha, ainda de colo.

O ano era 1978 e certamente a pequena Alice, que pela manhã frequentava a escola e a partir das 13h assumia as responsabilidades de babá, encantou-se com o universo do Sítio do Pica Pau Amarelo, sucesso entre a criançada da época. A história havia acabado de chegar ao universo da TV, levando as peripécias de Narizinho, Pedrinho, da boneca Emília e do sábio Visconde pelo Brasil afora.

A convivência entre as duas Alices, como empregadora e empregada, estendeu-se por cinco anos, chegando ao fim em 1982. Prestes a alcançar a maioridade, a babá era então uma jovem que tinha diante de si um mundo também em transformação: naquele ano, enquanto as rádios tocavam os recentes sucessos Morena Tropicana, de Alceu Valença, e Festa do Interior, de Gal Costa, o planeta via surgir a lendária Thriller, de Michael Jackson, cujo álbum se tornou o mais vendido da história.

Na vida política e social, o Brasil vivia suas primeiras eleições diretas desde o início da ditadura de 1964, com a escolha para os cargos de governador, prefeito, senador e deputado. E foi a Constituição de 1967, elaborada durante o regime militar e em vigor durante todo o período da prestação do serviço de babá, que a Justiça do Trabalho aplicou para reconhecer o vínculo de emprego envolvendo as duas Alices.

O caso chegou à Vara do Trabalho de Sorriso (MT) em janeiro de 2020, ajuizado pela ex-babá, que relatou não ter tido a Carteira de Trabalho assinada na ocasião e, por isso, pedia a declaração de reconhecimento do vínculo de novembro de 1978 a julho de 1982.

Ao analisar o caso, o juiz Diego Cemin julgou procedente o pedido tendo em vista que, conforme a legislação da época, não havia impedimento legal para o trabalho a partir dos 12 anos, a começar pela própria Constituição, passando pela Emenda Constitucional 01 de 1969, assim como a legislação ordinária (Lei 5.859/72) e o decreto que a regulamentou (Decreto 71.885/73).

Determinada a anotação da Carteira de Trabalho da ex-babá pelo magistrado, o caso foi concluído com o trânsito em julgado no último dia 28 de novembro e o processo, arquivado.

Trabalho Infantil

Atualmente, a idade mínima para ingressar no mercado de trabalho brasileiro é 16 anos, exceto na condição de aprendiz, permitido a partir dos 14 anos. A vedação consta tanto na Constituição Federal de 1988 como na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e leva em conta estudos que apontam prejuízos econômicos e sociais ao país trazidos pela exploração da mão de obra de crianças e adolescentes.

O primeiro deles é o elevado grau de exposição que os menores estão aos acidentes de trabalhos e às doenças profissionais, seja pela incompleta formação do corpo humano, seja pela falta de maturidade. Pesquisas na área médica comprovam as consequências negativas, e muitas vezes perenes, para a saúde física e mental decorrentes da exploração do trabalho infantil.

Outro ponto é a conclusão que o trabalho precoce pode comprometer o futuro ao contribuir para a evasão escolar e, assim, reproduzir o ciclo de pobreza dessas famílias.

No caso do trabalho doméstico, a experiência mundial considera a prática dentre as das piores formas de trabalho infantil, por envolver riscos ocupacionais como abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas, trabalho noturno, posições antiergonômicas, movimentos repetitivos e isolamento social.

Por tudo isso, ele consta como uma das práticas mais lesivas relacionadas pela Organização Internacional do Trabalho (Convenção 182/OIT), condição que foi ratificada pelo Brasil, com a inclusão do trabalho doméstico na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Decreto 6.481/2008).

Fonte: TRT da 23ª Região (MT)  – http://www.csjt.jus.br/web/csjt/noticias3/-/asset_publisher/RPt2/content/id/8621582